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Empregada pede demissão sem saber que estava grávida e consegue retornar ao emprego

Por Maria Julia Lacerda Servo (Sócia do escritório Martins Cabeleira e Lacerda Advogados) e Victor Souza do Nascimento.

Como é sabido, o artigo 10, inciso II, alínea b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, estabelece que é vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. A súmula nº 244 do Tribunal Superior do Trabalho também trata do tema, dispondo que a garantia do emprego à gestante autoriza a reintegração ao emprego dentro do período de estabilidade; que o desconhecimento da gravidez pelo empregador não afasta o direito à estabilidade; e que mesmo a empregada admitida mediante contrato por tempo determinado (contrato de experiência, por exemplo) tem direito a estabilidade no emprego.

O problema é que o direito à estabilidade no emprego protege a empregada gestante de ser dispensada sem justa causa, mas não impede que a própria empregada peça demissão. Isso dificultava um pouco a solução do problema, principalmente porque a jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) é de que o pedido de demissão da empregada gestante configura renúncia tácita à estabilidade no emprego.

Com essas dificuldades em mente, entre as teses elaboradas para a solicitação da reiteração no caso em tela, suscitou-se que o pedido de demissão deveria ser considerado nulo, posto que realizado com vício de vontade, qual seja o desconhecimento da gravidez.

Trata-se de vício de vontade porque o pedido de demissão foi emanado de um erro ou ignorância substancial, defeitos do negócio jurídico que sem os quais não haveria sido praticado.

Se esclarece que pedido de demissão, conforme a definição de Mauricio Godinho Delgado, nada mais é do que uma “declaração unilateral de vontade do empregado com poderes para colocar fim ao contrato de trabalho que o vincula ao respectivo empregador”[1], um negócio jurídico unilateral, e que, como tal, submete-se a todos os requisitos de existência, validade e eficácia enunciados no Código Civil, por força do art. 8º, Parágrafo único, da CLT, uma vez que a legislação trabalhista não trata da matéria.

Assim, tal como os demais negócios jurídicos, o pedido de demissão sujeita-se a anulação caso emanado com defeito que comprometa a manifestação da verdadeira vontade da parte. Com efeito, como salienta o jurista Silvio de Salvo Venosa, “a vontade é mola propulsora dos atos e negócios jurídicos. Essa vontade deve ser manifestada de forma idônea para que o ato tenha vida normal na atividade jurídica e no universo negocial. Se essa vontade não corresponder ao desejo do agente, o negócio jurídico torna-se suscetível de nulidade ou anulação”[1].

Logo, percebeu-se que a vontade da Reclamante, no ato do pedido de demissão, estava comprometida porque ela ignorava a sua própria qualidade de gestante, isto é, tinha uma falsa percepção da realidade, um erro sobre a sua própria condição de gestante, de modo que o pedido de demissão, maculado por estar à vontade manifestada pela Obreira inquinada de erro e ignorância sobre a sua condição de gestante, deve ser anulada, como prescreve o art. 138 do Código Civil, aplicável por força do art. 8º, Parágrafo único, da CLT.

Ora, tão substancial foi a ignorância de seu estado gravídico para que firmasse o pedido de demissão, que, tão logo constatou sua condição de gestante, tratou de notificar a Reclamada a fim de solicitar a reconsiderar o pedido de demissão, evidenciando que, não tivesse sua vontade viciada pelo erro sobre sua própria condição de gestante, isto é, pelo desconhecimento de seu estado gravídico, não teria a Obreira firmado o pedido de demissão.

Nesse caminhar a decisão proferida hoje pela Dra. Raquel Marcos Simões, Juíza da 42ª Vara do Trabalho de São Paulo/SP, entendeu por bem deferir a medida liminar por nós requerida, determinando à empresa que proceda a reintegração da empregada.

A Ilustre Magistrada corretamente considerou que ficou comprovado que a gravidez foi confirmada pela empregada durante o aviso-prévio, bem como, que a empregada informou à empresa sobre a sua gravidez e a sua intenção de permanecer no emprego.

[1] DELGADO, Mauricio Godinho; Curso de direito do trabalho – 15ª ed. – São Paulo: LTr, 2016, p. 1303.

[1] VENOSA, Silvio de Salvo; Direito civil: parte geral – 6ª ed. – São Paulo: Atlas, 2006, p. 395.

Maria Julia Lacerda
Maria Julia Lacerda
Especialista em Direito do TrabalhoGraduada em direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, pós-graduada em direito civil e processo civil pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus e em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Aluna Especial do mestrado em direito do trabalho da Universidade de São Paulo – USP. Membro da AATSP – Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo. Fluente em inglês.

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